Nota pública do Fórum Popular de Cultura de Contagem à imprensa, sindicatos dos jornalistas, sindicatos dos artistas do teatro e da dança, movimentos e organizações políticas e sócias, organizações de direitos humanos e de luta pela livre expressão, aos poderes legislativos municipal, estadual e federal. E a toda sociedade em geral!
Noite de lançamento foi marcada de muita emoção e solidariedade ao artista que não pode estar presente no lançamento do seu próprio livro.
A noite da sexta feira, 27 de junho, ficou marcada na história da Casa do Movimento Popular em Contagem, não apenas pelo fato de receber o lançamento do segundo livro independente produzido em seis meses por Marcelo Dias Costa, mas por se configurar, a casa, como espaço extremamente necessário para cumprir sua função primeira: Abrigar movimentos, sociais políticos, perseguidos, resguardando os direitos humanos. Foi no casarão construído com doação de instituições internacionais em meio à ditadura militar para servir de apoio aos movimentos e a cidade atravessada pelas grandes greves operárias, que aconteceu o lançamento do livro Inutrealidade – Teatro aos que tem fome!
De início, todos estranharam de o fato do autor não estar presente, pensando ser alguma surpresa para o lançamento. Aos poucos a emoção foi tomando conta da noite marcada pelo gesto solidário de dezenas de companheiros que se moveram para expor de forma artística o ocorrido com Marcelo Dias a lastimável situação da cidade Contagem.
Há três semanas atrás Marcelo estava assistindo uma apresentação musical em um barzinho de Contagem, quando percebeu um homem que estava o estava encarando e assim que Marcelo olhou para ele, disse essas palavras: "é você mesmo, você está pedido".
Sem entender o que ele queria dizer, Marcelo perguntou se o homem estava falando com ele, e Ele disse novamente: "você está pedido!". Marcelo, que não sabia o que isso significava, mas já achando muito estranho, perguntou se não estava sendo confundido com outra pessoa, o homem reafirmou sua ameaça, dizendo ainda que sabia tudo sobre ele, endereço, vínculos sociais e se retirou do local voltando alguns momentos depois com mais quatro. Um dos homens que entraram com o sujeito anterior bateu no ombro do Marcelo e disse com sarcasmo: "Deus te abençoe".
Percebendo o perigo, Marcelo tentou ficar no bar por mais um tempo para ver se os homens iriam embora. Depois de um tempo os homens saíram do bar mas ficaram esperando do outro lado da rua encostados em um muro. O bar era ao lado da escola Helena Guerra e ao tocar o sinal de saída, vendo muitos jovens parando na porta do bar, Marcelo decidiu tentar se misturar aos alunos e sair sem ser percebido. Por um instante de distração dos homens, Marcelo passou pelos alunos e começou a correr, quando virou uma esquina olhou para trás e se viu sendo perseguido, no que conseguiu correr, se esconder e ganhar tempo de fuga.
Chegando às mediações de sua casa, percebeu novamente a presença de alguns dos que o perseguiam, a partir de então se manteve escondido. Foi registrado um boletim de ocorrência policial sobre o fato ocorrido contando com pedido de investigação e, por orientação da Polícia Civil, Marcelo e sua família se retiraram da cidade. Depois entrou em contato com um amigo que trabalha na polícia, o qual explicou que a expressão "estar pedido" é o mesmo que estar mandado de morte.
Marcelo estava a espera de seu livro, que viria da gráfica, na mesma semana, mas teve que partir antes mesmo de vê-lo. Porém decidiu fazer o lançamento do seu livro e entrou em contato com amigos mais próximos para contar o ocorrido. Deu orientações a eles e pediu que produzissem esse lançamento por ele enquanto não podia estar presente, fazendo desse lançamento também um ato político, um lançamento de resistência.
Marcelo se fez presente não fisicamente, mas nas falas do amigos e por meio da leitura de uma carta enviada por ele, explicando o motivo de não estar presente e trazendo a necessidade de refletir sobre uma cidade que parece estar parada no tempo, no medo e no silêncio da exclusão e da perseguição. Seus companheiros da cia Crônica também fizeram uma leitura dramática de um dos seus textos, do novo livro. Trecho da carta: "Não, não sou mesmo da sua gente. E é isso o que te incomoda! Não consegue entender que ainda há gente que não se compra com cargos ou propina, ou com sua política "do que você precisa que cale a boca"?! Precisamos do que você nunca pôde dar por competência. A lacuna do seu despreparo sempre foi intransponível. Pensou mesmo que sua promessa de morte me faria bicho acossado?! Somos nós os que te conhecem, pequena suja! E somos muitos pra que você possa a todos assassinar – como a mim foi prometido."
Foi feita a leitura de seu Boletim de Ocorrência e logo em seguida a carta deixada por ele na integra, tornando público o ocorrido. Contar essa história publicamente e fazê-la ser vista pelo maior número de pessoas é também uma forma de se proteger e proteger seus amigos, e ativistas da cidade que estão sofrendo as mesmas ameaças. Marcelo é jornalista e tem sido um dos grandes responsáveis por textos e críticas sobre a situação social e política em que se encontra a cidade, que é grave. Afirmando sempre seu compromisso ético de profissional, nunca se omitiu ou deixou de dizer algo dentro de sua liberdade de expressão, ainda que em plataformas de comunicação independentes, que inclusive vem incomodando muita gente não só em Contagem, mas em todo Brasil, principalmente neste momento.
Marcelo é uma pessoa integra, não tem nenhuma ligação com atividades ilegais e criminais. Pelo contrário, no último ano tem sido ativista incansável do Fórum Popular de Cultura por uma cultura e uma cidade mais justa e democrática. Participou de ocupações culturais, reivindicações, reuniões e audiências na Câmara Municipal de Contagem, das mobilizações de uma greve de 56 dias dos trabalhadores da educação e tantas outras lutas. Sempre muito entregue a causa coletiva, Marcelo nunca poupou esforços, assim como o movimento do qual ele faz parte, para expor e denunciar o descaso político em Contagem, acreditando assim que sua perseguição possa ter motivação política. Marcelo e sua família são, dentre tantos, o retrato atual de uma cidade que expulsa seus cidadãos.
Lamentavelmente a cultura independente de Contagem teve que se fazer novamente mais resistente do que de costume. Sendo acolhida pela Casa do Movimento Popular, que expressou toda sua solidariedade à Marcelo Dias Costa na noite desta sexta, 27 de junho. Não houve como conter as emoções com a Casa cheia de pessoas querendo a dedicatória do autor que não estava presente em seu próprio lançamento, e que saíram perplexas depois de descobrirem que não se tratava de uma encenação, onde o autor não aparecia ou estava atrasado, mas sim refugiado por ser ameaçado de morte! Com a leitura de uma carta que parecia ser escrita na antiga ditadura brasileira, era difícil acreditar que estávamos em 2014. Foram muitos os gritos de RESISTÊNCIA MARCELO! Ficou o gesto de que somos todos Marcelo Dias Costa. Somos todos ameaçados, por não nos calarmos, por irmos atrás dos nossos direitos básicos em uma cidade que isso ganha nome de baderna. Se hoje nos calarmos frente ao ocorrido com este jornalista, poeta e dramaturgo, amanhã serão outros tantos jornalistas e artistas a serem perseguidos!
Pedimos à todos que ajudem a divulgar o ocorrido, sendo a publicitação do ocorrido nossa única forma de segurança neste momento. Queremos que todos saibam que não seremos bichos acossados!
Fórum Popular de Cultura, Contagem 28 de junho de 2014.
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