quinta-feira, 7 de abril de 2011

Presa a dívidas, a uma cadeira de rodas e sem trabalho, Norma Bengell quer voltar ao cinema

Imprescindível cuidar das perspectivas de futuro

http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/04/04/presa-dividas-uma-cadeira-de-rodas-sem-trabalho-norma-bengell-quer-voltar-ao-cinema-924158270.asp

 

Aos 75 anos

Presa a dívidas, a uma cadeira de rodas e sem trabalho, Norma Bengell quer voltar ao cinema

Plantão | Publicada em 05/04/2011 às 08h46m

André Miranda

A atriz Norma Bengell em sua casa na Gávea: aos 75 anos, ela quer voltar a atuar / Foto Mônica Imbuzeiro

RIO - Numa sala espaçosa, na casa onde mora, na Gávea, Norma Bengell passa o dia num canto, sentada numa poltrona, vendo TV. Ao alcance da mão, uma garrafa d'água e dois maços de cigarro. Quando precisa se levantar, aperta uma campainha e chama a acompanhante, Vilma Gomes, que trabalha para ela há duas décadas. Para virar o corpo para a foto, ela tem dificuldades; para mudar o braço de posição, também. Aos 75 anos, sem filhos e viúva, a mulher que foi uma das principais estrelas do país, presente na música, no teatro, na TV e, sobretudo, no cinema, passa semanas sem sair de casa, sem uma fonte de renda regular há mais de um ano e, diz, sem poder saldar as dívidas acumuladas. Norma quer voltar a filmar.


O último papel de Norma foi na televisão, como a personagem Deise Coturno no humorístico "Toma lá, dá cá", da TV Globo, encerrado em dezembro de 2009. Pouco depois, ela escorregou num tapete de casa, sofreu um tombo e precisou operar a coluna e o cotovelo. Dali em diante, a atriz só deixou sua casa para ir ao hospital e para dar entrada no pedido de aposentadoria, que ainda não saiu. Até agora, Norma também não recebeu a pensão de anistia do governo, que requereu por ter sido presa durante o regime militar: o valor seria de R$ 2,7 mil mensais, mais uma indenização retroativa de R$ 254,4 mil. Na última semana, um perito médico examinou a atriz e disse que o dinheiro pode sair em 60 dias.

Norma teve suas contas bancárias e bens bloqueados depois da polêmica envolvendo o filme "O guarani" (1996), dirigido e produzido por ela. Na época, o Ministério da Cultura e o Tribunal de Contas da União encontraram irregularidades nas notas de prestação de contas do longa. Norma recebeu críticas de todos os lados. E processos. Os criminais foram arquivados. Outros dois - tributários - aguardam decisão. Enquanto isso, além dos bens bloqueados, ela está impedida de assinar projetos como produtora.

- Publicaram que eu não tinha feito filme algum, que tinha comprado uma cobertura com o dinheiro. Mas o filme estava pronto, passou na TV para milhões de espectadores - ela diz.


Hoje, o maior problema da atriz-diretora-produtora são as dívidas. Com o plano de saúde, já são R$ 3 mil, e o serviço deve ser cancelado este mês. Ela também não consegue mais pagar o fisioterapeuta, as contas do cartão de crédito, um empréstimo bancário, o salário de Vilma e nem o aluguel da cadeira de rodas, a R$ 150 mensais. Norma já vendeu joias e quadros, e os amigos consideram levá-la para o Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá.

- Não vou. Não quero sair daqui. Moro nesta casa há quase dez anos - diz. - Algumas pessoas estão me ajudando, mas o que eu preciso é de patrocínio para rodar meu filme. Tenho um projeto de um média-metragem sobre o J. Carlos, o cartunista, que o Silvio Tendler vai produzir. Eu consigo dirigir da cadeira de rodas, só preciso de alguém que apoie.

O desejo é compreensível. Durante muito tempo, Norma disputou com Odete Lara o título informal de musa do cinema nacional. Depois de fazer sucesso como vedete nos espetáculos de Carlos Machado, sua estreia nas telas aconteceu em 1959, quando contracenou com Oscarito na chanchada "O homem do Sputnik", de Carlos Manga. No mesmo ano, ela levou para as lojas o disco "Ooooooh! Norma", em que aparecia lindamente seminua na capa, num projeto de César Villela, e surpreendia a todos cantando bossa nova, ainda nos primórdios do gênero.

" Algumas pessoas estão me ajudando, mas o que eu preciso é de patrocínio para rodar meu filme. Eu consigo dirigir da cadeira de rodas, só preciso de alguém que apoie "


Mas os dois trabalhos fundamentais para sua carreira só foram lançados em 1962. Primeiro, a atriz escandalizou a conservadora sociedade brasileira ao protagonizar o primeiro nu frontal da história do cinema brasileiro, em "Os cafajestes", de Ruy Guerra, em que atuava ao lado de Jece Valadão e Daniel Filho. Em seguida, foi a vez de interpretar a prostituta Marli em "O pagador de promessas", de Anselmo Duarte, o primeiro e até hoje único longa-metragem brasileiro a receber uma Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Dali, ela foi morar na Itália, casou-se com o ator Gabrielle Tinti, já falecido, e despontou para o estrelato, com filmes no Brasil e na Europa. Por aqui, foi dirigida por Domingos Oliveira, Julio Bressane, Rogério Sganzerla, Antônio Calmon, Walter Hugo Khouri, Paulo Cesar Saraceni, Glauber Rocha, Neville D'Almeida e Paulo Thiago.

- Aquela cena dos "Cafajestes" deu muito o que falar. A TFP (a organização Tradição, Família e Propriedade) mandou tirar meu nome de todos os cartazes e organizou uma passeata contra mim. Disseram que, se eu fosse a Belo Horizonte, iria morrer a paulada - lembra. - Eu nunca tinha ficado nua assim. O Ruy Guerra falou para eu entrar na água, e eu tirei o maiô dentro do mar. Aí ele botou a câmera atrás de um jipe, disse "corre", e eu saí correndo pela praia. Foi feito uma vez só.

Hoje, a rotina de Norma é reduzida à fisioterapia que faz cinco vezes por semana - o fisioterapeuta continua atendendo mesmo sem receber há dois meses -, a assistir a programas na TV e à internet. Norma acorda cedo, por volta das 6h30m, e só consegue se locomover na cadeira de rodas e com auxílio de alguém. Seus ambientes se limitam ao quarto, à sala e ao escritório, onde responde a e-mails e lê notícias na rede. Fuma bastante. Já tentou parar, mas nunca conseguiu. E vive cercada de prêmios, fotos antigas e cartazes de filmes.

Ao contar suas histórias, Norma às vezes ri ("o Anselmo Duarte era tão engraçado", diz), em alguns momentos olha para o alto ("Ah, eu briguei com o Glauber no 'Idade da Terra'"), e muitas vezes chora. O choro é de quem gostaria de voltar a exercer seu ofício mais uma vez, mais de 50 anos após o início de uma muita bem-sucedida carreira artística.

- Eu não sou saudosista, vivo muito o presente, não sinto falta daquele tempo. Mas sinto falta de atuar. Quando a luz acende, a gente se sente outra pessoa. É lindo - afirma. - E também sinto falta do mar. Eu gostava de nadar, de sentir aquele cheiro de sal. Mas eu acho que tudo vai melhorar. Se eu não achar, eu morro.

 


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