quinta-feira, 22 de novembro de 2012

crítica POR POUCO - SÃO PAULO.

Teatro: Por Pouco

Jules e Paul não são amigos, não fazem parte da mesma família e têm temperamentos diferentes. A única coisa em comum, além do fato de serem septuagenários, é que ambos estão internados num quarto de hospital e acabaram de ser informados de que vão morrer em breve porque portam uma doença incurável. A notícia da morte inevitável, que poderia resultar num drama doloroso e torturante, no entanto, deságua em uma certa comicidade. Ao menos é o que tenta nos persuadir o jovem autor francês Samuel Benchetrit. Simples, despretensioso e emocionante, o texto tece um retrato enternecedor de duas personagens solares, engraçadas e envolventes. Com acenos a Beckett, no que tange à solidão, lógica do sonho e raciocínios insensatos, a peça aborda o delicado tema da morte por um viés pouco usual. Assinada por Ary Coslov, a montagem revela sintonia e harmonia com uma trama que flui ágil e surpreende pela sensibilidade, pelo equilíbrio entre o tom melancólico e o humor incisivo, imprevisível e até burlesco. Pode não ser uma profunda reflexão da vida, mas o enredo oferece momentos inspirados de observação sobre a existência humana.  

Sem sofrer por isso, eles sabem que não podem trapacear a vida. Daí, deixam-se levar por ela. E se os melhores anos são agora, na velhice? No fundo, comungam da ideia de que, se muitas mudanças não vieram até o momento, poderão vir a partir de agora. Tchecov costumava dotar seus personagens dessa condição. Não à toa, Benchetrit põe no palco a representação de um trecho de Tio Vânia, obra-prima do dramaturgo russo, justamente a sequência que fala do medo da morte e da vida, e cria um nexo com a sua história. Conscientes da finitude humana, os dois homens optam pelo desejo maluco de fugir do hospital e dos dispendiosos exames médicos, vestidos de pijamas e um deles carregando um conta-gotas de soro, e sair pelo mundo em busca de algum objetivo mais palpável. Rejeitam a hipótese de aguardar a morte lenta em uma fria cama hospitalar. Por meio de suas andanças, eles acabam por provar que a aventura pode estar numa esquina, a surpresa em um leito de rio, a emoção em um salão de baile. Ou seja, o corpo pode até estar nos estertores, mas mentalmente o final do percurso é um ponto muito distante ainda. Esta dupla de amigos de última hora embarca nessa viagem improvável, pontuada por eventos inesperados. Têm esperança de arrumar uma carona, mas nenhum carro pára. Logo vão perceber que a viagem ganha contornos de missão. Isso porque, no caminho, esbarram em uma jovem grávida abandonada pelo amante e eles se empenham em encontrar o homem que, covardemente, rejeitou-a depois de seduzi-la. Eles se deparam ainda com um sujeito que acabara de tentar o suicídio, mergulhando em um canal.

O público acompanha o périplo dessas duas figuras maduras, que trombam com tipos variados em diferentes contextos, sem ficar enfastiado. Além da trama atraente, os protagonistas preenchem a cena com atuações sutis e robustas de humanidade. Ambos evitam carregar na interpretação, procuram sempre o registro verossímil e desenvolvem uma cumplicidade natural. Paul, na composição de Ílvio Amaral, é um tipo resmungão, pai de um filho que acabou não conhecendo, porque sua mulher decidiu que queria o menino só para ela. Um tanto ingênuo, o Jules de Maurício Canguçu resigna-se com o fato de ter dois filhos, que não são dele, e a dolorosa sensação de vazio por ter negociado, na época em que trabalhava como vendedor, 28.875 televisores para 28.875 pessoas diferentes e não se lembrar da cara de nenhuma delas. A atriz Flávia Fernandes exibe versatilidade ao desdobrar-se em diversos papéis, como uma mulher grávida, uma dançarina e a personagem Sônia, da peça Tio Vânia. Com a mesma eficiência,Marcelo Aquino encarna um médico, um dançarino, um suicida e Vânia.  

Com cenografia minimalista, iluminação esculpida para sublinhar as motivações dos personagens, trilha sonora contagiante e marcações funcionais que desenham os vários episódios, o espetáculo se alimenta da força e do calor do elenco. Trata-se de uma peça que lida com camadas de medos e o faz de maneira comedida. A morte une Paul e Jules, o receio do desconhecido e a necessidade de ocupar inteligentemente o tempo de espera. Dá para vislumbrar um pouco de Vladimir e Estragon, os míticos personagens de Esperando Godot, de Beckett, no comportamento desses homens. Durante a trama, eles refletem sobre suas próprias vidas, sobre decisões que tomaram ou deixaram de lado. É a vertigem que acomete todos aqueles que percebem que o tempo passou e nem tudo foi possível realizar. Em sua fuga, Paul e Jules buscam um novo sentido para a vida, mesmo que ela esteja por um fio.

(Edgar Olimpio de Souza)  

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